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Contabilidade

Venda de recebíveis e desconto de duplicatas

Venda de recebíveis e desconto de duplicatas
12/08/2020
Ivanice Floret
Principal
Eric Barreto
Partner e Prof. do Insper

Boa parte das empresas no Brasil, especialmente as de varejo, vendem muito mais a prazo do que à vista. Outros segmentos, como os bancos tradicionais, têm como modelo de negócios as operações de crédito, tais como os empréstimos e financiamentos. No fim do dia, essas entidades possibilitam que os clientes levem o produto – bem físico ou dinheiro em conta – em troca de um acordo de pagamentos, que via de regra, é composto pelo principal acrescido de juros.

Os acordos dos pagamentos das compras a prazo e das operações de crédito, são pactuados por meio de um contrato, que geram os famosos “carnês de prestações” e “crediários”, por exemplo. No caso dos bancos, os pagamentos são realizados por meio do débito na conta dos clientes. O fato é que esses acordos constituem direitos para a parte que concedeu o crédito. Esses direitos, são conhecidos como “recebíveis” ou “duplicatas/contas a receber”, e estão registrados como ativos financeiros no balanço patrimonial.

Dependendo da estratégia da empresa, ela pode precisar antecipar aqueles recebíveis/ duplicatas, ou seja, a empresa cede o direito de receber os fluxos de caixa pactuados com o cliente para uma outra entidade, em troca de receber antecipadamente os recursos financeiros, à uma determinada taxa de desconto. Na prática, o que empresa está fazendo é vendendo os seus recebíveis para aumentar a disponibilidade do seu caixa. Você pode estar pensando que se ela vendeu o ativo, ou seja, transferiu o seu direito para outra entidade, então ela vai remove-lo dos seus registros contábeis. Correto, só que não! Depende se essa transferência foi estruturada com ou sem retenção substancial dos riscos e benefícios do ativo vendido.

Quando falamos sobre retenção substancial dos riscos e benefícios, considere, por exemplo, a situação em que uma empresa faz o desconto de duplicatas que vencerão no fim do mês. Se o emitente da duplicata pagar, o recurso financeiro será de direito da entidade que descontou as duplicatas. Mas se o emitente atrasar, a empresa que que solicitou o desconto, é obrigada por honrar os pagamentos. Na transação em que não há retenção substancial dos riscos e benefícios, essa obrigação não existiria.

O pronunciamento contábil IFRS 9/ CPC 48, convergência da norma internacional IFRS 9, apresenta as condições em que um ativo financeiro vendido, deve ser transferido para outra entidade, e, consequentemente, baixado, isto é, removido do balanço patrimonial da empresa vendedora. Nesse contexto, a norma destaca que a entidade deve transferir o ativo financeiro se, e apenas se os direitos contratuais de receber fluxos de caixa do ativo financeiro forem transferidos. Caso, esses direitos sejam retidos, mas a entidade tenha assumido uma obrigação contratual de pagar os fluxos de caixa a um ou mais recebedores, ela também poderá baixar o ativo financeiro. Na situação em que a entidade tenha retido substancialmente todos os riscos e benefícios da propriedade do ativo financeiro, ela deve continuar com o ativo financeiro registrado no seu balanço e registrar, separadamente, como ativos ou passivos quaisquer direitos e obrigações criados ou retidos na transferência.

Particularmente no caso das operações de crédito efetuadas pelos bancos e outras instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil, os parâmetros para as cessões de crédito são estabelecidos na Resolução CMN nº 3.533/2008, bastante similar ao regramento do IFRS 9/ CPC 48.

Talvez você esteja pensando: e se a entidade não transferir nem reter substancialmente todo os riscos e benefícios da propriedade do ativo financeiro? Nesse caso, Galdi, Barreto e Flores (2018), informam que entidade deve observar se ela reteve o controle do ativo financeiro. Se o controle tiver sido retido, a entidade permanece com o ativo financeiro que foi vendido no balanço patrimonial, na medida do seu envolvimento contínuo com o ativo financeiro, a exemplo da existência de garantias sobre o ativo. O fluxo de decisão a seguir, sintetiza a análise de quando os riscos e benefícios não são substancialmente retidos ou transferidos:

Suponhamos que uma entidade fez uma venda a prazo no valor de R$ 1.000,00 para receber em 30 dias, porém precisou antecipar o recurso financeiro, a uma taxa de 10%. A seguir, registros contábeis efetuados pela entidade vendedora (cedente), considerando transferências sem e com retenção substancial de riscos e benefícios:

Transação sem retenção substancial de riscos e benefícios

Geração do ativo financeiro (venda a prazo)

Débito:

Contas a Receber ou Operações de Crédito (ativo) R$ 1.000,00

Crédito:

Receita de vendas (resultado) ou Caixa (ativo) R$ 1.000,00

Venda do ativo financeiro por R$ 900,00

Débito:

Caixa (ativo) R$ 900,00
Despesa financeira (resultado) R$ 100,00

Crédito:

Contas a Receber ou Operações de Crédito (ativo) R$ 1.000,00

Transação com retenção substancial de riscos e benefícios

Geração do ativo financeiro (venda a prazo)

Débito:

Contas a Receber ou Operações de Crédito (ativo) R$ 1.000,00

Crédito:

Receita de vendas (resultado) ou Caixa (ativo) R$ 1.000,00

Venda do ativo financeiro por R$ 900

Débito:

Caixa (ativo) R$ 900,00

Crédito:

Captação (passivo) R$ 900,00

Note que o passivo financeiro deverá gerar despesas financeiras ao longo do seu prazo, ao mesmo tempo que o ativo financeiro retido deve gerar receitas financeiras, e esses dois resultados, em paralelo, ao longo do tempo, devem produzir um resultado negativo de R$ 100,00, no exemplo acima, uma vez que o custo amortizado do ativo começa em R$ 1.000,00 e o custo amortizado do passivo começa em R$ 900,00.

Quando uma entidade transfere ativos financeiros e não transfere nem retém substancialmente seus riscos e benefícios, mas mantém o controle, ela continua com o registro do ativo financeiro na medida do seu envolvimento contínuo. Nesse caso, Galdi, Barreto e Flores (2018) destacam que ela deverá registrar qualquer receita proveniente do ativo transferido e não baixado, bem como qualquer despesa incorrida com o respectivo passivo, sem compensar as receitas de um com as despesas do outro.

Imaginemos essa cessão ocorreu sem retenção ou transferência substancial de riscos e benefícios, pelo valor de R$ 1.100,00, e com uma coobrigação de 5%, o que significa que a entidade cedente garantiria até 5% das perdas incorridas no ativo cedido.

Os registros contábeis da parte cedente são demonstrados a seguir:

Transação sem retenção ou transferência substancial de riscos e benefícios, com coobrigação de 5%

Geração do ativo financeiro (venda a prazo)

Débito:

Contas a Receber ou Operações de Crédito (ativo) R$ 1.000,00

Crédito:

Receita de vendas (resultado) ou Caixa (ativo) R$ 1.000,00

Venda do ativo financeiro por R$ 1.100,00

Débito:

Caixa (ativo) R$ 1.100,00

Crédito:

Contas a Receber ou Operações de Crédito (ativo) R$ 950,00 (a)
Coobrigação de 5% (passivo) R$ 55,00 (b)
Ganho na cessão (resultado) R$ 95,00 (c)

(a) Note que restou um ativo de R$ 50,00, correspondente a 5% do ativo cedido.
(b) O passivo registrado corresponde a 5% do valor recebido.
(c) O ganho na cessão foi calculado a partir de 95% do valor recebido (R$ 1.045,00) subtraído de 95% do ativo cedido, que foi exatamente o valor baixado no momento da cessão (R$ 950,00).

Até o vencimento do ativo cedido, o valor não baixado, de R$ 50,00, deverá produzir receitas de juros, enquanto o passivo registrado, de R$ 55,00, deverá dar origem a despesas de juros, produzindo um resultado negativo de R$ 5,00 ao longo de todo o prazo do ativo a partir da data de cessão.

A normatização contábil exige que a parte cedente disponibilize documentos que evidenciem de forma clara e objetiva os critérios para classificação e registro contábil das operações de venda ou de transferência dos ativos financeiros, destacando se as transferências ocorreram com ou sem transferência substancial de riscos e benefícios.

Fonte: IFRS 9 / CPC 48 – Instrumentos Financeiros
Resolução Conselho Monetário Nacional nº 3533, de 31 de janeiro de 2008
Contabilidade de Instrumentos Financeiros - IFRS 9 / CPC 48. Galdi, Fernando C.; Barreto, Eric; Flores, Eduardo. Editora Atlas. São Paulo: 2018.

 
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