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Cessão de direitos creditórios e baixa de ativos financeiros

Cessão de direitos creditórios e baixa de ativos financeiros
28/04/2021
Julio Zanini
Expert
Eric Barreto
Partner e Prof. do Insper

Conceito

Conceitualmente, uma cessão de direitos creditórios é um negócio jurídico no qual uma das partes transfere a terceiros seus direitos em uma relação jurídica obrigacional (sujeito ativo ou credor e sujeito passivo ou devedor). Assim, uma instituição cede seu ativo financeiro quando este documento determinar que seus direitos contratuais de receber fluxos de caixa do respectivo ativo foram transferidos. Sua baixa contábil dependerá da qualificação, a qual será objeto de análise no próximo tópico.

Não há o que se falar em qualificação quando os direitos contratuais ao fluxo de caixa do ativo financeiro expiram. Neste caso, a instituição deve promover a baixa do ativo.

Classificação

Na normatização internacional, o CPC 48 (IFRS 9) basicamente manteve os princípios existentes no CPC 38 (IAS 39).

Para as instituições financeiras ou outras com funcionamento autorizado pelo Banco Central do Brasil (BACEN), a Resolução CMN nº 3.533, de 31 de janeiro de 2008, é o documento que trata sobre cessão ou transferência de ativos financeiros, para fins de registro contábil, e essa norma também segue os princípios da normatização internacional, por isso, os tópicos desse texto podem ser aplicados por instituições financeiras e não financeiras.

1) Operações com transferência substancial dos riscos e benefícios:

Nesta categoria, devem ser classificadas as operações em que a instituição transfere substancialmente todos os riscos e benefícios de propriedade do ativo financeiro objeto da operação, tais como:

  • Venda incondicional de ativo financeiro;
  • Venda de ativo financeiro em conjunto com opção de recompra pelo valor justo desse ativo no momento da recompra;
  • Venda de ativo financeiro em conjunto com opção de compra ou de venda cujo exercício seja improvável de ocorrer.

Neste caso, a instituição deverá baixar o ativo e reconhecer quaisquer direitos e obrigações originados ou retidos na transferência.

2) Operações com retenção substancial dos riscos e benefícios;

Nesta categoria devem ser classificadas as operações em que a instituição retém substancialmente todos os riscos e benefícios de propriedade do ativo financeiro objeto da operação, tais como:

  • Venda de ativo financeiro em conjunto com compromisso de recompra do mesmo ativo a preço fixo ou o preço de venda adicionado de quaisquer rendimentos;
  • Contratos de empréstimo de títulos e valores mobiliários;
  • Venda de ativo financeiro em conjunto com swap de taxa de retorno total que transfira a exposição ao risco de mercado de volta ao vendedor ou cedente;
  • Venda de ativo financeiro em conjunto com opção de compra ou de venda cujo exercício seja provável de ocorrer;
  • Venda de recebíveis para os quais o vendedor ou o cedente garanta por qualquer forma compensar o comprador ou o cessionário pelas perdas de crédito que venham a ocorrer, ou cuja venda tenha ocorrido em conjunto com a aquisição de cotas subordinadas do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) comprador, quando o valor destas cotas for superior à perda provável.

Neste caso, a instituição deverá manter reconhecido o ativo financeiro.

3) Operações sem transferência nem retenção substancial dos riscos e benefícios:

Nesta categoria devem ser classificadas as operações em que a instituição não transfere nem retém substancialmente todos os riscos e benefícios de propriedade do ativo financeiro objeto da operação.

Neste caso, caberá a própria instituição determinar se reteve o controle do ativo financeiro. Em caso positivo, continua a reconhecer o ativo. Se negativo, providencia sua baixa.

Procedimentos contábeis

Abaixo são demonstrados os procedimentos contábeis a serem observados em cada uma das categorias de cessão de direitos creditórios e baixa de ativos financeiros.

1) na categoria operações com transferência substancial dos riscos e benefícios:

  • Pela instituição vendedora ou cedente
    • O ativo financeiro objeto de venda ou de transferência deve ser baixado do título contábil utilizado para registro da operação original;
    • O resultado positivo ou negativo apurado na negociação deve ser apropriado ao resultado do período de forma segregada;
  • Pela instituição compradora ou cessionária
    • O ativo financeiro adquirido deve ser registrado pelo valor pago, em conformidade com a natureza da operação original, mantidos controles analíticos extracontábeis sobre o valor original contratado da operação.

2) na categoria operações com retenção substancial dos riscos e benefícios:

  • Pela instituição vendedora ou cedente
    • O ativo financeiro objeto da venda ou da transferência deve permanecer, na sua totalidade, registrado no ativo;
    • Os valores recebidos na operação devem ser registrados no ativo tendo como contrapartida passivo referente à obrigação assumida;
    • As receitas e as despesas devem ser apropriadas de forma segregada ao resultado do período pelo prazo remanescente da operação, no mínimo mensalmente;
  • Pela instituição compradora ou cessionária
    • Os valores pagos na operação devem ser registrados no ativo como direito a receber;
    • As receitas devem ser apropriadas ao resultado do período, pelo prazo remanescente da operação, no mínimo mensalmente.

3) na categoria operações sem transferência nem retenção substancial dos riscos e benefícios:

3.1) com transferência de controle do ativo financeiro
  • Observar os procedimentos descritos no item 1;
  • Reconhecer separadamente como ativo ou passivo quaisquer novos direitos ou obrigações advindos da venda ou da transferência.
3.2) com retenção de controle do ativo financeiro
  • Pela instituição vendedora ou cedente
    • O ativo permanece registrado na proporção do seu envolvimento continuado, que é o valor pelo qual a instituição continua exposta às variações no valor do ativo transferido;
    • O passivo referente à obrigação assumida na operação deve ser reconhecido;
    • O resultado positivo ou negativo apurado na negociação, referente à parcela cujos riscos e benefícios foram transferidos, deve ser apropriado proporcionalmente ao resultado do período de forma segregada;
    • As receitas e despesas devem ser apropriadas de forma segregada ao resultado do período, pelo prazo remanescente da operação, no mínimo mensalmente.
  • Pela instituição compradora ou cessionária
    • Os valores pagos na operação o devem ser registrados da seguinte forma:
      • A proporção correspondente ao ativo financeiro, para o qual o comprador ou cessionário adquire os riscos e benefícios, deve ser registrada no ativo em conformidade com a natureza da operação original;
      • A proporção correspondente ao ativo financeiro, para o qual o comprador ou cessionário não adquire os riscos e benefícios, deve ser registrada no ativo como direito a receber da instituição cedente;
    • As receitas devem ser apropriadas ao resultado do período, pelo prazo remanescente da operação, no mínimo mensalmente.

Ativos financeiros oferecidos em garantia

A Resolução CMN nº 3.533, de 31 de janeiro de 2008, do BACEN determina ainda que para o registro contábil dos ativos financeiros oferecidos em garantia de operações de venda ou de transferência, devem ser observados os seguintes procedimentos:

  • Pela instituição vendedora ou cedente:
    • Reclassificar o ativo de forma separada de outros ativos financeiros de mesma natureza, caso a instituição compradora ou cessionária tenha o direito contratual de vendê-lo ou de oferecê-lo como garantia em uma outra operação;
    • Baixar o ativo financeiro, caso se torne inadimplente na operação para a qual ofereceu o ativo financeiro como garantia e não tenha mais o direito de exigir a sua devolução;
  • Pela instituição compradora ou cessionária:
    • Reconhecer o passivo, pelo valor justo, referente à obrigação de devolver o ativo financeiro recebido como garantia à instituição vendedora ou cedente, caso o tenha vendido;
    • Reconhecer o ativo financeiro pelo valor justo ou baixar a obrigação citada no item anterior, conforme o caso, se a instituição vendedora ou cedente se tornar inadimplente na operação para a qual ofereceu o ativo financeiro em garantia e não tenha mais o direito de exigir a sua devolução.

Contabilização

Abaixo encontram-se demonstrados os lançamentos contábeis a serem observados em cada uma das categorias apresentadas:

Exemplo 1: Uma entidade vende um grupo de ativos (Empréstimos), a partir das seguintes informações:

Custo amortizado da carteira R$ 200.000,00
Valor futuro da carteira R$ 320.000,00
Prazo 2 anos
Tax 20% a.a.
Valor de venda R$ 222.000,00

Situação 1: com transferência substancial dos riscos e benefícios

a) pela baixa do grupo de ativos (Empréstimos)
D – Caixa ou assemelhada (Ativo) R$ 222.000,00
C – Empréstimo (Ativo) R$ 200.000,00
C – Lucro em cessão de crédito (Resultado) R$ 22.222,00

Situação 2: com retenção substancial dos riscos e benefícios

a) pelo registro dos valores recebidos na cessão
D – Caixa ou assemelhada (Ativo) R$ 222.000,00
C – Obrigações por Cessão (Passivo) R$ 222.000,00

b) pela reclassificação do grupo de ativos (Empréstimos)
D – Operações de créditos cedidas (Ativo) R$ 200.000,00
C – Empréstimos (Ativo) R$ 200.000,00

Obs.: as receitas e as despesas devem ser apropriadas pelo prazo remanescente da operação, no mínimo mensalmente. Desta forma, a entidade continuará reconhecendo qualquer receita proveniente do ativo transferido, e qualquer despesa incorrida com o respectivo passivo, sem compensar as receitas de um com as despesas do outro, ou seja, o ativo continuará sendo corrigido à taxa de 26,49% a.a. (VP = R$ 200.000,00; VF = R$ 320.000,00), enquanto o passivo será corrigido à taxa de 20,00% a.a. (VP = R$ 222.222,00; VF = R$ 320.000,00).

Situação 3: sem transferência nem retenção substancial dos riscos e benefícios

Partindo-se de pressuposto que a entidade manteve um envolvimento continuado referente a 10% do ativo (uma garantia de R$ 20.000,00, por exemplo), ela deve baixar R$ 180.000,00 (90% do ativo) no momento da transferência. O passivo a ser registrado acompanhará o valor mantido no ativo, portanto, será equivalente a 10% do caixa recebido na transação.

a) pela baixa do grupo de ativos (Empréstimos)
D – Caixa ou assemelhada (Ativo) R$ 222.222,00
C – Empréstimo (Ativo) R$ 180.000,00
C – Obrigações por Cessão (Passivo) R$ 22.222,00
C – Lucro em cessão de crédito (Resultado) R$ 20.000,00

b) pela reclassificação do saldo remanescente do grupo de ativos (Empréstimos)
D – Operações de créditos cedidas (Ativo) R$ 20.000,00
C – Empréstimos (Ativo) R$ 20.000,00

Obs.: as receitas e as despesas devem ser apropriadas pelo prazo remanescente da operação, no mínimo mensalmente. Desta forma, a entidade continuará reconhecendo qualquer receita proveniente do ativo transferido e reconhecerá qualquer despesa incorrida com o respectivo passivo, sem compensar as receitas de um com as despesas do outro.

Transações similares

É interessante notar que o CPC 48 (IFRS 9) quase sempre trata de instrumentos financeiros de forma mais geral, enquanto a normatização do BACEN é mais específica.

Uma transação de venda definitiva de títulos e valores mobiliários, por exemplo, de acordo com o CPC 48 (IFRS 9) seria tratada como uma transação com transferência substancial de riscos e benefícios, tal qual explicado nesse texto. A Res. 3533 não menciona isso, pois no âmbito do BACEN, temos outra norma tratando da contabilidade de TVM.

No caso de operações compromissadas, o CPC 48 (IFRS 9) as enquadraria como transações com retenção substancial de riscos e benefícios. Se você quiser saber mais sobre a contabilização das vendas com compromisso de recompra, leia nosso texto específico sobre o assunto. Também temos um que trata das compras com compromisso de revenda.

FONTES
BACEN – COSIF: Manual de Normas do Sistema Financeiro
Resolução CMN nº 3533, de 31 de janeiro de 2008
Contabilidade de instrumentos financeiros: IFRS 9 – CPC 48 / Fernando Caio Galdi, Eric Barreto, Eduardo Flores. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2018.

 
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