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Exemplificação do risco sacado

Exemplificação do risco sacado
10/04/2023
Patrick Matos

As transações de risco sacado têm estado no radar dos reguladores e normatizadores nos últimos anos, em especial a partir da metade da última década quando estes arranjos se tornaram mais prevalentes e passaram também a ser discutidos em diferentes fóruns. Ainda é cedo para conclusões precipitadas sobre o caso da Americanas e seria pouco ético fazer qualquer julgamento precipitado em relação aos envolvidos pois não temos qualquer base definitiva para isto.

Dito isso, tento exemplificar no contexto abaixo o que em minha visão refletiria uma operação envolvendo risco sacado semelhante ao que a mídia noticia e as possíveis causas do erro.

Em uma operação de risco sacado como a indicada pela mídia há um componente não só operacional de pagamentos, mas também uma estrutura de gestão de caixa por parte da entidade. O arranjo com a instituição financeira aparentemente contém um componente de financiamento embutido, de forma que se considera em um exemplo uma compra financiada junto ao “fornecedor A”, onde o valor da compra é descontado pelo fornecedor junto à instituição financeira na estrutura sendo então adquirido pela Entidade a um desconto. Para fins deste exemplo, vamos supor que A emite uma fatura à entidade com pagamento a prazo por $10, prontamente descontada com o banco por $9.

Como estabelecido pelo IAS 2 (norma de estoques, parágrafos 11 e 18) (i) o custo do estoque deve deduzir descontos e "itens similares"; e (ii) na aquisição de um item de estoque financiado, o custo do financiamento embutido é reconhecido como despesa na passagem do tempo. Essa última passagem também repetida no CPC 12 (norma de ajuste a valor presente no Brasil, parágrafo 32). Considerando esses aspectos, no momento inicial a entidade reconhece:

  1. Estoques 9
  2. Fornecedores 9

No momento inicial o reconhecimento de um passivo financeiro (seja ele comercial ou por empréstimos) segue a regra de mensuração inicial estabelecida pelo IFRS 9 (norma de instrumentos financeiros), ou seja, sendo reconhecido pelo valor justo. Pode se pressupor que nessa situação o valor justo da operação refletindo o custo de $10 a ser liquidado a prazo no futuro se aproximaria do conceito de valor presente a $9.

Reflete-se também que os termos e condições associados à operação são vistos como substancialmente alterados se comparados ao instrumento que originou o passivo (o passivo comercial com o fornecedor A), uma vez que além da contraparte, há a figura de juros embutidos na operação (e eventualmente um alongamento de prazo). Desta forma, pelo fundamento da transação, esta passa a ser tipificada como uma dívida bancária, sendo necessária a reclassificação para "empréstimos". A questão da apresentação reflete determinações da IAS 1 sobre apresentação separada de empréstimos e contas a pagar por fornecedores e segregação de itens de natureza dissimilar na posição patrimonial e financeira (parágrafos 29 e 54 e 57).

Nesse contexto, embora não haja detalhamento claro em relação a quando termos e condições serem substancialmente alterados, os aspectos de modificação de um passivo financeiro no IFRS 9 e demais discussões disponíveis no âmbito do IASB (por exemplo, nos papéis da reunião de staff no projeto "IBOR Reform and its Effects on Financial Reporting" de 2019 onde se discute o tópico “how to determine whether a modification is substantial”, disponível no site da Fundação IFRS) podem trazer insumos apropriados para fazer tais julgamentos.

Partindo então dessa premissa, reclassifica-se o passivo de fornecedores para dívida, havendo naturalmente a consideração aos aspectos que isso eventualmente possa acarretar, como aumento de endividamento e alavancagem para fins de medição de covenants, por exemplo.

  1. Fornecedores 9
  2. Empréstimos 9

Subsequentemente nota-se que o passivo de financiamento (assim como o de fornecedores) é mensurado ao custo amortizado pelo método de taxa efetiva de juros. Considerando o custo implícito da transação, isso indica que o custo de financiamento de $1 deverá fluir para o resultado do exercício na passagem do tempo, apropriando-se de forma que no vencimento o pagamento de sê pelo valor financiado de $10.

Nesse contexto é importante levar em consideração que esse custo de financiamento não deve ser refletido no estoque, uma vez que, embora não especificado de forma clara no IAS 2, é mais prevalente nas IFRS o conceito de que os custos de financiamento sejam tratados e reconhecidos de forma separada (maiores detalhes sobre esses julgamentos podem ser lidos no IFRIC Update de julho de 2015, disponível no site da Fundação IFRS). Dessa forma mantém-se o estoque ao saldo reconhecido inicialmente a $9, valor que fluirá no futuro quando da venda no custo da mercadoria vendida. Por outro lado, reconhece-se a despesa financeira no período de reporte em contrapartida aos juros do financiamento:

  1. Despesa financeira 1
  2. Empréstimos 1

E, de forma final, no vencimento, o pagamento à instituição financeira.

  1. Empréstimos 10
  2. Caixa 10

Dessa forma, em suma, a demonstração do resultado foi afetada pelo custo financeiro de $1 em despesa financeira refletindo o custo financeiro da operação enquanto a apresentação do balanço é basicamente alterada pela apresentação de um passivo de natureza de financiamento até sua liquidação, se comparado à apresentação do passivo comercial.

Como disse, é cedo para avaliar o que pode não ter sido considerado. De acordo com as notícias preliminares, aparentemente além da ausência de reclassificação para dívida o reconhecimento dos juros associados à operação pode não ter sido alocado apropriadamente para o resultado. As causas podem ser diversas, cabe neste momento aguardar maiores detalhes para que seja possível avançar não somente na forma normatizadora do tema, mas possivelmente buscar também maior educação da nossa profissão a respeito.

Fonte: LinkedIn Patrick Matos

 
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