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Contabilidade para Investidores - Fora do balanço - Riscos inerentes x hedge

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30/09/2020
Eric Barreto
Partner e Prof. do Insper

Muitas vezes, ao fazer a análise de demonstrações contábeis, eu falo para os meus alunos: "Deixa a contabilidade de lado, esquece a contabilidade, e vamos pensar em negócio primeiro. Vamos primeiro esquematizar, pensar sobre as características do negócio, os riscos do negócio.

Aí sim a gente vai para a contabilidade, e vamos ver se o que a empresa apresenta tem coerência com o que a gente imagina que são os riscos do negócio daquela empresa, com que a gente imagina que são os ativos e passivos daquela empresa, sobre o que a gente imagina que são os resultados daquela empresa. Em primeiro momento, esquece a contabilidade. Vamos pensar em negócio."

E nesse vídeo eu quero falar especificamente da nota explicativa de derivativos e riscos. Bom, algumas vezes nós estamos falando de duas notas explicativas. Para algumas empresas, a nota explicativa de risco está junto com a de derivativos. Não importa se está junto ou separado. O importante é a gente compreender o negócio da empresa e depois olhar para essa nota explicativa.

Porque eu não aguento mais olhar para a nota explicativa e a empresa escreve lá, está lá na nota explicativa: "A empresa não opera com derivativos porque mantém um perfil conservador de investimentos." Ou: "A empresa não opera com derivativos para não correr riscos." Essas afirmações fazem tanto sentido quanto se eu dissesse para vocês: eu não contrato seguro de vida para não morrer.

A afirmação não faz sentido. Derivativo é um seguro para alguns tipos de riscos. Então, a empresa deixar de contratar seguros não quer dizer que ela não corre riscos, mas em algumas situações quer dizer o contrário. Se a empresa me disser: "A empresa não opera com derivativos por quê? Porque não tem risco de moeda." Ou seja, ela capta e aplica sempre na mesma moeda, e essa é a moeda funcional da empresa.

A empresa capta e aplica sempre ao mesmo tipo de taxa. Aí a gente pode dizer: a empresa não corre risco de moeda, não corre risco de taxa. A empresa não opera com commodities. Então, nessas situações eu posso dizer: a empresa não precisa de derivativos porque os seus ativos e passivos estão casadinhos. Não é porque ela não opera com derivativos.

Tem banco, não vou falar o nome da instituição, mas tem alguns bancos que a gente fez uma pesquisa. Há pouco tempo atrás, acho que há cerca de um ano atrás, nós fizemos uma pesquisa de utilização de derivativos por bancos brasileiros, todos bancos listados em bolsa. E alguns bancos escreveram isso, que não operavam com derivativos para não correr riscos.

Aí você abre o balanço desse banco, um deles tinha captações em dólar e ele empresta aqui no Brasil em reais. O outro só opera em reais, mas ele paga nos CDBs do banco, ele capta e ele tem passivos que são indexados ao CDI, ou seja, são pós-fixados. E ele empresta a taxas prefixadas. Poxa, captei em CDI, apliquei em taxa prefixada. Criei um descasamento aqui. Então, não estão operando com derivativos? Quer dizer que estou correndo risco de taxa.

"Ah, mas o risco é baixo." Não é essa a questão. A maioria das instituições financeiras não considera esse risco como baixo. Então, em alguns momentos, uma instituição pode julgar que o risco de taxa de descasamento entre CDI e taxa pré é baixo e não operar com derivativos. Legal. Essa decisão é uma decisão da gestão de riscos da empresa. Mas, de novo, não operar com derivativos não significa que a empresa não corre riscos.

Então você, como analista de demonstração contábil, o que você deve fazer? Esquece a contabilidade, como eu tinha falado inicialmente. Então esquece da contabilidade e pensa no negócio da empresa. Essa empresa opera com commodities? Se ela compra commodities como insumo ou se ela vende commodities, ela tem um risco de mercado aqui da variação do preço da commodity.

A empresa sofre com o risco de moeda? Ou seja, ela exporta, ela importa, ela capta recursos em moeda estrangeira ou aplica recursos em moeda estrangeira? Ela tem entidades investidas em outros países? Se alguma dessas situações acontece, a empresa tem descasamentos entre ativos e passivos, e você tem que olhar as notas de riscos para saber como a empresa se protege contra esses riscos de mercado.

Então, a nota de riscos vai falar como a empresa faz a gestão de riscos. Fala alguma coisa sobre limites, sobre os comitês de riscos, que tipo de riscos são analisados por comitês da empresa. E o que eu acho bastante importante, agora falando de gestão de risco de mercado e de derivativos, uma empresa que opera com derivativos. Vamos supor aqui, vamos dar como exemplo uma empresa que tem risco de moeda, risco de variação do dólar.

O que eu espero de uma empresa que corre risco de moeda? Que ela se proteja. A empresa corre o risco de moeda, e como eu invisto nessa empresa ou espero investir nessa empresa, eu espero que ela se proteja contra a variação da moeda. O risco que eu estou disposto a correr como investidor é o risco do negócio, não o risco cambial.

Por isso que a empresa deve se proteger contra esses riscos que não são o risco do negócio, porque o investidor espera correr o risco do negócio, não esses riscos financeiros.

Então eu vou olhar na nota explicativa, e tem um quadro bastante legal lá nas notas explicativas que é decorrente da instrução CVM 475. Essa instrução foi editada depois da crise 2008, onde a gente teve alguns casos de operações com derivativos, algumas empresas que abusaram um pouquinho no uso de derivativos, como Sadia e Aracruz Celulose.

Então a CVM editou essa norma falando para as empresas: olha, na gestão de riscos, você vai operar com derivativos, mas derivativo serve como seguro. E para o usuário da suas demonstrações contábeis entender que você está operando com derivativos para fins de proteção, é legal que você publique um quadro de análise de sensibilidade, onde você vai mostrar o seguinte.

Em um cenário provável, como estaria o meu risco? Eu perderia dinheiro ou ganharia dinheiro com o meu risco? Vamos colocar algo concreto aqui para a gente pensar. Vamos supor que a gente esteja falando de uma empresa que tenha empréstimos em moeda estrangeira. Então, se o dólar aumenta, ela perde nos empréstimos em moeda estrangeira.

Mas se essa mesma empresa também exporta, ela perde nos empréstimos e ela ganha nas exportações. Um quadro de análise de sensibilidade deveria mostrar o quê? Em um cenário provável, vamos supor que o dólar sobe em relação ao real. Então, nesse cenário provável com o dólar subindo, a empresa ganha com exportações e a empresa perde com os empréstimos em moeda estrangeira.

No quadro de análise de sensibilidade, eu tenho que ver o seguinte, que o líquido dos ganhos com exportações e das perdas com empréstimos em moeda estrangeira, o líquido é algo que não machuca muito resultado ou o patrimônio líquido da empresa.

Eu não quero que a empresa tenha um baita ganho com variação cambial. Eu quero que a empresa ganhe com o negócio dela. Eu não espero que a empresa tenha ganhos, porque esses ganhos, em determinados cenários, podem se transformar em perdas, como aconteceu no passado com Sadia e Aracruz.

Eu peguei um exemplo aqui de quadro de análise de sensibilidade. Esse é um exemplo da Petrobras. Esse é o quadro de análise de sensibilidade que a Petrobras publicou no final do ano de 2019. Peguei 2019 porque tinha o fechamento anual. Achei esse quadro bacaninha para a gente mostrar aqui. E vamos entender esse quadro.

Eu destaquei aqui a parte de cima desse quadro, porque a Petrobras está falando de várias moedas e eu queria destacar aqui o dólar, que tem um impacto maior no negócio da Petrobras. Então, o quadro de análise de sensibilidade coloca três cenários.

Um cenário a Petrobras colocou como provável no final de 2019 e ela se baseou, como está escrito lá na nota explicativa: "Cenários prováveis foram calculados considerando-se as seguintes variações de risco: real x dólar - desvalorização do real em 1,2%." Então esse era o cenário que a Petrobras considerou como provável no final de 2019: desvalorização de 1,2%.

Aí veio o primeiro trimestre de 2020, pandemia do coronavírus. Real se desvalorizou mais de 30% em relação ao dólar. E aí? Isso tem um baita de um impacto que não está precificado nesse cenário provável, não está dentro do cenário provável. Mas a Petrobras atendeu à CVM e colocou aqui nesse quadro de análise de sensibilidade não só um resultado esperado no cenário provável.

Porque no cenário provável, a gente vê aqui que, no final, a Petrobras teria um ganho de 30. Legal, um ganho de 30, pequenininho. Não afeta o resultado, não afeta significativamente o patrimônio líquido. Então, cenário provável está tudo certo.

Cenário provável, a Petrobras ganharia 300 nos ativos, perderia 4.554 nos passivos, que é a dívida em moeda estrangeira. No Swap, nos derivativos, ela teria uma perda pequenininha de 37 e teria um ganho, onde ela escreve aqui "Hedge de fluxo de caixa". Essas são as exportações da Petrobras, as exportações futuras, que estão fora do balanço porque a Petrobras não exportou ainda. É uma expectativa de exportações.

Juntando essa coisa toda, quer dizer que no cenário provável a Petrobras tem um ganho de 30. Legal. Mas a gente não pode se prender só a esse cenário provável, porque o câmbio pode se desvalorizar muito mais do que esse cenário que a Petrobras entendia que era o provável, como de fato aconteceu.

Então, em um cenário possível que tem um desvio de 25%, ou seja, a moeda se desvalorizou 25%. Então, com o dólar subindo, a Petrobras tem um ganho nos ativos em dólar. Provavelmente, ela está se referindo aos ativos que ela tem em moeda estrangeira, que são recebíveis e algumas investidas no exterior.

Os passivos, então ela tem uma perda com o aumento do dólar. Então tem um valor negativo lá de 93.084. Tem perda, porque o dólar aumenta, então a dívida cresce também. Tem perda nos derivativos e tem ganho nas exportações. Então, o que importa para a gente? No líquido, juntando essa coisa toda, a Petrobras tem um ganho de 623.

Mas é importante que ela tem ganho? Não. Se tivesse uma perda aqui, eu também não estaria preocupado. O que me preocupa é a empresa ter resultado grande ou pequeno com derivativos, em algum cenário. A gente poderia olhar também cenário com desvio de 50%. Se a moeda se desvalorizar 50%, o que acontece? Juntando a coisa toda, a Petrobras tem um resultadozinho ali de 1.246.

Importante a gente olhar para esta última linha aqui e ver que ela não é muito relevante em relação ao resultado da empresa que a gente está analisando, em relação principalmente ao tamanho do patrimônio líquido da empresa que a gente está analisando.

No caso da Sadia lá atrás, o que aconteceu? Não existia esse esses cenários, esse quadro de análise de sensibilidade. E em um dos cenários, a Sadia tinha uma perda tão grande que era próxima do valor todo do patrimônio líquido da empresa. Então, por isso esse quadro é tão importante.

Você calculou os seus indicadores, fez a sua análise, mas, poxa, se um desses cenários causa uma perda muito grande para a empresa que você está analisando, será que faz sentido você ainda manter a sua conclusão sobre investir, não investir, manter um investimento, desinvestir em uma empresa?

Eu acho que essas questões precisam ser consideradas. De novo, meu amigo: nota explicativa. Nota explicativa te ajuda a dar aquele acabamento na sua análise de demonstrações contábeis.