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Valor Econômico

Notas explicativas dos balanços são alvo de debate sobre equiliíbrio entre volume e transparência

Notas explicativas dos balanços são alvo de debate sobre equiliíbrio entre volume e transparência
04/09/2014
Valor Econômico

Por Renato Rostás.

Não economizar nos detalhes, mas sem cometer excessos, em prol de uma comunicação eficiente com os investidores, grandes ou pequenos. Essa é uma discussão que sempre rondou o universo das companhias abertas, mas que agora tem como foco algo bem específico: as chamadas “notas explicativas” dos balanços. Ao contrário do que o nome sugere, muitas vezes as informações contidas nesse item dos demonstrativos não servem ao propósito de elucidar determinadas questões. Entra em cena então o debate sobre o equilíbrio entre o volume e a clareza dos dados apresentados.

Enquanto os agentes de mercado, em geral, concordam que a mecanização das notas explicativas tem que dar lugar a informações realmente relevantes, teme-se que os pequenos investidores saiam prejudicados. Isso porque, em caso de dúvidas, poderiam enfrentar obstáculos maiores para esclarecer determinadas questões com as empresas.

O tema veio à tona com a audiência pública aberta recentemente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para discutir a norma no 7 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). O objetivo da autarquia é saber, de quem acompanha os resultados das empresas, o que acham necessário para melhorar a qualidade e reduzir a quantidade de notas explicativas nos balanços. A expectativa é que, até o fim do ano, chegue-se a um consenso. As novas diretrizes, então, passariam a valer em 2015.

As primeiras sondagens sobre o tema, no entanto, mostram que a discussão promete ser intensa. Para Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), os pronunciamentos relativos ao IFRS, padrão internacional de contabilidade, dão aos administradores das empresas poder em demasia sobre o que publicar ou não. “Como no geral os contadores têm uma visão muito normativa para os balanços, a diretoria acaba tomando decisões de seu próprio interesse, em vez de privilegiar a transparência”, afirma.

Do outro lado da mesa da argumentação, estão as grandes auditorias – que, em geral, acreditam que as empresas que cumprem o CPC têm o direito, sim, de escolher que informações merecem um detalhamento maior. E, para elas, atender à exigência mínima do CPC já seria suficiente.

“Eu dou minha opinião sobre o todo da demonstração financeira”, explica Tadeu Cendón, sócio da auditoria PricewaterhouseCoopers (PwC) no Brasil. “Sabemos que as companhias podem relutar em fornecer alguns dados em sua completude, porque perdem vantagem estratégica de negociação.”

Segundo especialistas, o tema é complexo e pode avançar em diversas esferas do balanço. Um exemplo de problema em potencial é a taxa de juros efetiva de empréstimos tomados pelas empresas. Um levantamento feito pela consultoria Mark 2 Market, com 21 demonstrativos financeiros das maiores empresas que compõem o Ibovespa – principal índice da bolsa brasileira –, conclui que a divulgação deste item é “precária”.

“Acho que o resultado a que chegamos é grave. Muitas vezes leva a um cálculo errado da taxa de juros paga, do custo de captação”, afirma Eric Barreto, diretor da Mark 2 Market e professor do Insper, instituição de ensino superior em economia. “Mais do que atender a norma, acho que o foco poderia ser suprir o acionista e o credor com a informação precisa.” Entre outras questões, o levantamento aponta para uma verdadeira confusão na hora de contabilizar o custo da dívida: pelo menos quatro modalidades de ativo, além da despesa financeira.

“Nossa percepção é que, apesar de ter que demonstrar claramente os juros capitalizados ser uma obrigatoriedade, essa confusão no balanço aparece porque os divulgadores entendem que isso não é um requisito útil para quem vai usar a informação para investir”, diz Barreto, da Mark 2 Market.

Os contadores confirmam essa visão. Idésio Coelho, diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), afirma que a ideia do balanço é dar uma informação ao público geral, e não a um agente em específico. “às vezes, um componente tão específico joga contra a ideia de simplificação das divulgações”, diz.

Rogério Andrade, sócio da auditoria KPMG, é da mesma opinião de Coelho, e pensa que para todo aprofundamento sobre qualquer tema que não tenha tanto detalhamento no balanço, deve-se acionar a área de relações com investidores das companhias. “Vira um processo de negociação mesmo, entre a parte interessada e a empresa”, explica. Mas Cunha, da Amec, vê dificuldade para que investidores menores tenham esse acesso às empresas.

Até mesmo membros mais “qualificados” do mercado podem ter dificuldades. A agência de classificação de risco Fitch, por exemplo, para chegar ao custo da dívida, relaciona as despesas financeiras com o endividamento de determinado período. Essa conta desconsidera tanto os juros capitalizados do intervalo como o total presente no ativo.

Cristiane Spercel, vice-presidente e analista sênior da Moody’s, revela que a agência de rating realiza ajustes constantes nas métricas de crédito para chegar a um número mais factível. “Fazemos isso para poder comparar empresas tanto dentro do mesmo setor como globalmente. Temos uma série de ajustes e entre eles estão os juros capitalizados, que, apesar de não aparecerem nas despesas financeiras, são desembolso de caixa”, comenta.

Cunha, da Amec, crê que a regulação deveria ajudar nesse ponto, ao exigir mais tanto dos auditores como da gestão das empresas. Quanto à atuação da CVM para que a questão seja esclarecida, Haroldo Levy, coordenador do Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (Codim), afirma que a partir do ano que vem a autarquia será mais atuante. “Já passou até do tempo de fiscalizar mais, cobrar. Mas primeiro a companhia é responsável por atender aos CPCs. Em segundo lugar, é responsabilidade do auditor, sim”, afirma Levy.