Historicamente, o pagamento baseado em ações surgiu de um problema muito comum em grandes empresas: os interesses dos acionistas nem sempre são os mesmos interesses dos executivos destas companhias, este fenômeno é explicado pela Teoria da Agência. De maneira geral, a teoria afirma que os interesses tendem a divergir entre as pessoas. No caso das empresas, a teoria é comumente aplicada na relação entre o investidor (acionista) e executivo da companhia, respectivamente, chamados de principal e agente pela teoria. O pagamento baseado em ações é uma importante ferramenta de remuneração que empresas utilizam para incentivar a convergência dos interesses do agente e do principal.
Nesse sentido, o IASB desenvolveu o IFRS 2 / CPC 10 – Pagamento Baseado em Ações, cujo objetivo é estabelecer procedimentos para reconhecimento, mensuração e divulgação das transações com pagamento baseado em ações realizadas pela entidade nas suas demonstrações contábeis. A norma exige que os efeitos de tais transações estejam refletidos no resultado e no balanço patrimonial da entidade, incluindo despesas associadas com transações por meio das quais opções de ações são outorgadas a empregados.
Tratamos neste texto sobre reconhecimento, mensuração, divulgação e vesting conditions.
De acordo com a normatização, uma transação com pagamento baseado em ações é uma transação onde há um acordo entre a entidade, de receber bens ou serviços, e uma contraparte, a qual terá o direito de receber:
Neste caso, a entidade reconhece um passivo à medida que recebe os produtos ou serviços, pelo valor justo da obrigação, que deverá ser revisto a cada demonstração contábil e na data da liquidação, sendo as variações deste valor justo reconhecidas no resultado do período. O lançamento contábil seria o seguinte:
D. Despesa ou Ativo (se qualificável) |
C. Passivo – Transação com pagamento baseado em ações |
Neste caso, a entidade reconhece um aumento no seu patrimônio líquido, o qual deve ser mensurado pelo valor justo dos bens ou serviços recebidos e não deverá sofrer ajustes posteriores à data da aquisição.
Quando não for possível mensurar o valor justo dos bens ou serviços recebidos o reconhecimento deverá ser feito com base no valor justo dos instrumentos de capital concedidos.
D. Despesa ou Ativo (se qualificável) |
C. Instrumentos Patrimoniais Outorgados – PL |
Se a entidade reteve ou concedeu à contraparte o direito de escolher se uma transação será liquidada em dinheiro ou pela emissão de instrumentos de capital próprio, na realidade a entidade concedeu um instrumento financeiro híbrido, que inclui um componente de dívida.
A entidade contabilizará esta transação como (i) “liquidada em caixa” se, e na medida que, a entidade possuir uma obrigação presente de liquidar em caixa e como (ii) “liquidada em instrumentos de capital” se, e na medida que, a entidade não tiver uma obrigação presente a ser liquidada em caixa.
Estando o poder de decisão da forma de liquidação da transação nas mãos da entidade, ela deve determinar se existe ou não uma obrigação presente de liquidar a transação em caixa.
Se a entidade conferiu à contraparte o direito de escolha da forma de liquidação, a entidade terá outorgado um instrumento composto, que deverá ser registrado tanto no passivo quando no patrimônio líquido, pelos seus valores justos.
Importante ressaltar que, em todos os casos, a transação com pagamento baseado em ações só é reconhecida à medida que a companhia recebe os produtos ou serviços prestados.
Especificamente, quando falamos de transações com pagamento baseado em ações parte da remuneração dada aos empregados, cabe ressaltar que transação pode ser atrelada a condições de aquisição de direitos (vesting conditions), ou seja, só há o direito ao recebimento da remuneração baseada em ações mediante o cumprimento de alguns requisitos. Basicamente três tipos de condições para aquisição destes direitos:
Tais condições são importantes para o reconhecimento da transação com pagamento baseado em ações, pois, à medida que tais condições são cumpridas, é que a transação deve ser reconhecida.
A norma lista uma série de informações que a entidade deve divulgar (Itens 44-52). Tais informações devem permitir ao usuário das demonstrações financeiras compreender a natureza e extensão dos acordos das transações com pagamento baseado em ações. De maneira geral, devem ser prestadas informações acerca:
A entidade ABC conferiu aos seus 100 funcionários o direito de receber remuneração baseada em ações, eles receberiam o valor correspondente a 100 ações, cada, em dinheiro, se permanecessem na empresa pelo período de 2 anos.
No primeiro ano apenas 10 funcionários saíram da empresa e o valor justo das ações, no final do período, era de R$ 15,05.
No segundo ano, mais 17 funcionários saíram da empresa, o valor justo das ações, na data de exercício, era de R$ 15,35.
As contabilizações seriam feitas da seguinte maneira:
1º ano: O valor da despesa seria igual ao número de ações que os funcionários teriam direito (90x100) multiplicado pelo valor das ações (R$ 15,05), dividido por dois (vesting condition).
D. Despesa com pagamento baseado em ações | R$ 67.725 |
C. Passivo – Transação com pagamento baseado em ações | R$ 67.725 |
2º ano: O valor da despesa total seria igual ao número de ações que os funcionários teriam direito (73x100) multiplicado pelo valor das ações (R$ 15,35), logo, o valor a ser reconhecido seria apenas a diferença do total e a despesa já reconhecida no ano anterior:
D. Despesa com pagamento baseado em ações | R$ 44.330 |
C. Passivo – Transação com pagamento baseado em ações | R$ 44.330 |
REFERÊNCIAS
Pronunciamento Técnico CPC 10 (R1) – Pagamento Baseado em Ações, de 16 de Dezembro de 2010.
GELBCKE, Ernesto Rubens;, SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu. Manual de Contabilidade Societária: aplicável a todas as sociedades de acordo com as Normas Internacionais e do CPC. 3. ed., São Paulo: Atlas, 2018.