Nenhum resultado encontrado.
Valor Econômico

Hedge tira R$ 36 bi do prejuízo da Petrobras

Hedge tira R$ 36 bi do prejuízo da Petrobras
31/03/2016
Valor Econômico

Por Thais Carrança

Segundo maior prejuízo da história das empresas de capital aberto brasileiras, as perdas de R$ 34,8 bilhões da Petrobras em 2015 poderiam ser ainda maiores, caso a companhia não tivesse adotado em 2013 a chamada contabilidade de hedge.

O dispositivo contábil, usado para suavizar o impacto cambial sobre a dívida em moeda estrangeira, evitou que o prejuízo da estatal chegasse a R$ 71 bilhões no ano passado.

Sem o hedge, o prejuízo da Petrobras seria superior às perdas de R$ 44,2 bilhões registradas pela Vale em 2015. A mineradora detém o recorde de maior prejuízo anual da história entre empresas de capital aberto brasileiras, segundo dados da Economatica.

Ajuda contábil

A adoção da contabilidade de hedge foi um dos motivos apontados pelos conselheiros fiscais representantes dos minoritários da Petrobras para votos contrários ao balanço de 2015 da petroleira. Segundo os conselheiros Reginaldo Alexandre e Walter Albertoni, a prática contábil mascara o descasamento cambial de uma companhia que tem grande parte dos custos em dólares e a maioria das receitas em reais.

Especialistas em contabilidade, no entanto, defendem a adoção do mecanismo, considerado uma tendência internacional. Para eles, com a contabilidade de hedge, a realidade econômica da empresa é apresentada de forma mais adequada, com menor volatilidade.

A Petrobras chegou ao fim de 2015 com uma dívida de R$ 493 bilhões, sendo 84% dela em moeda estrangeira e 74% em dólares. O dólar registrou uma valorização em relação ao real de 47% em 2015, valendo ao fim do ano cerca de R$ 3,90, contra R$ 2,66 em dezembro de 2014. Com a depreciação da moeda brasileira, a dívida em moeda estrangeira fica mais cara em reais.

Assim, pode causar estranhamento que a Petrobras tenha registrado em seu resultado financeiro de 2015 despesas com variação cambial de apenas R$ 10,5 bilhões. O valor parece muito baixo considerado o gigantismo da dívida da estatal. Mas isso é possível graças à contabilidade de hedge.

Com o mecanismo, previsto nas normas contábeis internacionais adotadas pelo Brasil desde 2010, as receitas esperadas com exportações são usadas como proteção contra a variação da dívida em moeda estrangeira provocada pelo câmbio, posto que a alta numa linha compensa queda na outra.

Para isso, o efeito da variação cambial sobre a dívida não é totalmente contabilizado no resultado financeiro. Esse efeito fica "guardado" numa conta do patrimônio líquido e só passa a influenciar o resultado financeiro quando começa a entrar o faturamento com exportações que está atrelado à dívida.

Em 2015, o balanço da Petrobras registrou variação cambial total de R$ 65 bilhões. Dessa variação cambial, R$ 60,7 bilhões foi para o patrimônio líquido. Outros R$ 6,2 bilhões em perdas foram reclassificadas do patrimônio líquido para o resultado, após a efetiva contabilização de receitas com exportação.

Para críticos, empresa não poderia usar esse dispositivo porque é uma importadora líquida

Logo, caso não adotasse a contabilidade de hedge, a despesa com variação cambial da companhia em 2015 seria acrescida em R$ 54,5 bilhões. O impacto sobre o prejuízo anual, líquido dos efeitos tributários, seria um aumento de R$ 36 bilhões, conforme cálculo do contador Paulo Santos, que auxiliou o Valor.

Para os conselheiros fiscais representantes dos minoritários, a prática contábil é inadequada à realidade da estatal. "A Petrobras é uma empresa importadora líquida, com parcela preponderante dos custos, dispêndios de capital e dívidas em dólares, enquanto os produtos colocados no mercado interno - que compõem a maior parte do faturamento - são vendidos em reais", escrevem Alexandre e Albertoni, em voto contrário ao balanço.

Para Fernando Galdi, professor de contabilidade da Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças (Fucape), o fato de a Petrobras ser importadora líquida não impede o uso do hedge. "A companhia tem que documentar que de fato a expectativa de receitas em dólares está se contrabalanceando aos pagamentos na moeda americana no futuro", diz Galdi. "Apesar da desconfiança de minoritários e analistas do mercado, tudo isso é convalidado pelo auditor independente."

Igual opinião tem Eric Barreto, professor do Insper, de São Paulo. "O hedge reconhece que existem exposições cambiais ativas, como receitas de exportações e recebíveis em moeda estrangeira, e passivas, como a dívida em dólares e as importações, e simplesmente faz um casamento contábil desses ganhos e perdas que podem acontecer no futuro", explica.

O presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho, também considera o mecanismo adequado à petroleira. "A não utilização da contabilidade de hedge traria volatilidade ao resultado", pondera.

Em nota enviada ao Valor, a Petrobras diz que a avaliação de risco cambial "leva em consideração que as receitas mantêm vinculação com preços internacionais em dólares, ainda que haja alguma defasagem temporal, constituindo assim 'hedge natural' para seus custos em dólares."