Nenhum resultado encontrado.
Época Negócios

A Cadeia da Petrobras

A Cadeia da Petrobras
05/11/2014
Época Negócios

“Eram comitivas e comitivas de interessados e eles vinham em hordas: investidores independente, bancos, empresários, governos, ministros de estados… tantos, que às vezes era até difícil atende-los.”, diz Cesar Prata, presidente do Conselho de Óleo e Gás da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), sobre o assédio que a indústria do setor sofria em 2009, com as perspectivas do pré-sal.

Cinco anos depois, a multidão sumiu e o cenário é desértico. Para ficar apenas num caso ilustrativo, o pavilhão Brasil da International Pipeline Exposition, a maior feira do mundo na área, que acontece a cada dois anos no Canadá, recebia várias empresas e entidades brasileiras, até a edição de 2012.

No mês passado, havia apenas uma, entre mais de 200 companhias de 30 países: a fabricante de tubos Liderroll. A empresa comprou toda a área que seria destinada ao pavilhão Brasil, na expectativa de que alguma concorrente ou organização se animasse a participar. Sem caixa, com poucas encomendas e pouco acesso a crédito, nenhuma outra brasileira foi lá, tentar ganhar mercado. Já na área pública e entre as muitas entidades do setor, com as denúncias de corrupção na Petrobras e o momento difícil, poucos parecem querer se mostrar.

“O crime com as empresas de óleo e gás é muito maior do que a corrupção da Petrobras”, diz Prata. Segundo ele, os danos ao setor começaram com o uso político e eleitoral da estatal, que resultou em falta de previsibilidade, problemas com pagamentos e numa enorme crise de confiança. Como resultado, se em 2007 as 900 indústrias afiliadas da Abimaq que fornecem equipamentos para a cadeia de petróleo e gás faturavam R$ 28 bilhões e empregavam 800 mil pessoas, no ano passado elas eram 800 e sua receita bruta caiu quase 30%, indo para R$ 20 bilhões. O número de funcionários foi cortado ainda mais, em quase 40%, chegando a 500 mil pessoas. “Estou na área há 42 anos e nunca vi uma situação tâo ruim em toda minha vida”, diz. “Havia o consenso de usar o pré-sal para desenvolver e melhorar o Brasil, mas aconteceu exatamente o contrário.”

É um discurso comum entre empresários da área. “Não é só choradeira“, diz Eric Barreto, professor do Insper e diretor da M2M Escola de Negócios. isso porque o peso da Petrobras como estimuladora da economia, por meio dos investimentos que faz, é enorme. Segundo Barreto, os valores gerados dentro da estatal entre receita e investimentos equivalem a 10% do PIB por ano. Desse total, um pouco mais da metade tem sido gasto com fornecedores variados, nos últimos quatro anos. “Se a Petrobras tivesse mantido seu plano de investimentos, anunciado em meados de 2009, ela teria tido faturamento RS 93 bilhões maior do que o que efetivamente teve no ano passado“, diz ele.

“Os fornecedores nacionais provavelmente teriam embolsado RS 46 bilhões a mais do que faturaram no ano, e os governos (nas três esferas) teriam arrecadado mais de R$ 20 bilhões em impostos.” A expectativa era da geração de 2 milhões de vagas.

No anúncio desse plano de investimentos, em 2009, o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli falava de uma expectativa de crescimento fortíssima, detalhando, inclusive, quanto a estatal compraria em equipamentos, como tubos, bombas, válvulas, caldeiras e, desse total, quanto seria destinado à indústria nacional. “Quem está no setor olha para esse anúncio e diz: aqui está previsibilidade, não é especulação de mercado, mas são números reais que o piloto da maior empresa demandante está anunciando. Ótimo! Vamos ampliar as fábricas e nos preparar para essa grande encomenda”, diz Prata. “Só que não houve cumprimento de prazos, nem de tamanho da encomenda, nem de velocidade, nem de coisa nenhuma.”

Assim, depois de se endividar para crescer, os fornecedores, sobretudo os pequenos e médios, tiveram de fazer cortes e reduzir projeções. No meio do caminho, projetos foram cancelados, a Petrobras concentrou-se em algumas áreas e desistiu de parte dos investimentos. Empresas estrangeiras saíram do pais, entre elas, os investidores que assediavam a indústria nacional.”Essa deterioração entre 2009 e 2014 aconteceu porque os planos de negócios irrealistas tiveram de ser revistos e cortados”, diz André Furtado, professor do Instituto de Geociências da Unicamp. “O setor está passando por um choque de realidade.” Ele lembra que, além da Petrobras, o fim da OGX impactou a área, em menor escala.

Por enquanto, as pequenas e médias empreiteiras têm sentido mais. Pelo menos sete delas entraram em recuperação judicial ou pediram concordata, desde 2012. Outras 15 empresas anunciaram reestruturações que envolveram demissões. No total, 11 mil vagas foram cortadas. Há outras no caminho. “Tenho pelo menos mais três clientes que vão interromper obras e requerer na Justiça créditos (que teriam junto à Petrobras) não pagos”, diz Juarez Loures, advogado da Multitek. Com quase 30 anos no mercado, a construtora atuava em 13 obras da Petrobras quando interrompeu os serviços e demitiu 1,7 mil pessoas, em agosto de 2013, alegando ter pleitos de R$ 245 milhões a receber da estatal. A briga está na Justiça.

Até a entrada de Graça Foster na presidência da Petrobras, havia um mecanismo de pagamentos por serviços extras, além dos contratados nos editais. Como são obras de alta complexidade, muitas vezes, durante seu andamento, há a necessidade de construção de itens não especificados nos projetos que balizam as concorrências. As empreiteiras os faziam, com o acompanhamento de fiscais da estatal. Consultores que conhecem bem a área dizem que, em alguns casos, fiscais entravam em acordo com as construtoras para elevar o número e o valor dos serviços feitos. Assim, para moralizar esse tipo de pagamento, Graça Foster instituiu, em fevereiro de 2013, uma diretoria para aprovar os pedidos de cobranças adicionais feitos a fornecedores. Em alguns casos, dizem os fornecedores, os pagamentos passaram a levar mais de ano para serem feitos. Para alguns deles, com grandes quantias a receber, a diretoria está subdimensionada, o que, além dos atrasos no pagamento dos pleitos, acaba ajudando no fluxo de caixa da Petrobras.

A estatal informou, por e-mail, que tem situação confortável de liquidez e a diretoria que aprova os pagamentos está cumprindo os prazos e custos previstos no plano de negócios e na gestão da companhia. Ela tem equipes especializadas e capacitadas para fazer a gestão de cada projeto.

Há aqui, porém, outro complicador. Algumas das empreiteiras que tiveram problemas foram citadas nos relatórios da Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Como o clima dentro da estatal é tenso por conta das denúncias de corrupção, seus executivos têm evitado assinar esses pagamentos, dizem pessoas familiarizadas com o tema. O medo é acabarem sendo envolvidos. A estatal nega e diz que sua política de pagamentos é a mesma há anos. “A sensação é de hibernação geral, esperando as eleições passarem”, diz Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura e especialista no tema. “O problema é que há um defeito de origem: movimenta-se muito dinheiro para um só comprador, a Petrobras.” Para ele, o ideal seria ter um mercado mais concorrencial, sem a necessidade de a estatal participar de todos os movimentos e investimentos do setor.

Sobre a crise dos fornecedores, a estatal diz que, “para melhorar sua capacidade de lidar com eventuais alterações na carteira de projetos domésticos, a indústria brasileira de bens e serviço deve diversificar o portfólio de clientes e aumentar sua condição de competir em outros mercados”. É o que fez, por exemplo, a fabricantes de tubos Tuper. “A Tuper viu no pré-sal uma nova oportunidade de mercado, mas não a única”, diz Frank Bollmann, presidente da empresa, por e-mail. “Ao investir R$ 198 milhões na construção de uma nova unidade – inaugurada em 2012 -, a empresa tinha a clareza de que o segmento de óleo e gás abrange não somente o mercado nacional, mas também o internacional.” Assim, com a capacidade da nova fábrica ocupada em pouco mais de 50%, o que diz considerar normal, a empresa está prospectando clientes na América do Sul e África, entre outras iniciativas.

Parte dos fornecedores, porém, até pelo peso dos investimentos da Petrobras na economia, traçou planos de negócios diferentes e é mais dependente da estatal. Um deles é a Superpesa, que faz movimentação de cargas especiais, de grande dimensão e peso, e caldeiraria pesada, como estacas de sucção para plataformas. Com mais de 60 anos no mercado, seu faturamento caiu de R$ 150 milhões, em 2010, para R$ 115 milhões, no ano passado, e ela entrou com um pedido de recuperação judicial no mês passado. Segundo Bruno Gameiro, responsável pela área jurídica, a empresa não conseguiu renegociar o reequilíbrio financeiro de contratos, em que absorveu prejuízos de R$ 115 milhões. “Se parássemos, sofreríamos multas da Petrobras”, diz ele. “Então, pagávamos para trabalhar, até que não aguentamos.” A Superpesa demitiu 250 de seus 500 funcionários, sobretudo em caldeiraria, e está renegociando suas dividas com os bancos.

Situações tem levado dificuldades de crédito para o setor de modo gera. “Há um alijamento por parte do sistema financeiro, que nos olha com verdadeira ojeriza”, diz Prata, da Abimaq. “É uma situação da metade do ano passado para cá, quando ficou evidente que haveria uma quebradeira por conta do descompasso da Petrobras. “O mais grave, diz ele, é a perda de tecnologia e know-how e o risco de quebra da cadeia produtiva. “Há uma grande fuga de conhecimento que ainda não conseguimos dimensionar: de projetos de engenharia à desnacionalização da indústria, inclusive da subcadeia de fornecedores”, afirma. “Ainda vai levar alguns anos até que os novos projetos, com regras mais claras sobre o fornecimento de conteúdo nacional, resultem em encomendas para o mercado. Até lá, ficaremos como? Vamos todos mudar de setor?”

A Petrobras diz que, nos últimos cinco anos, adquiriu em compras diretas de bens e serviços 75% de suas necessidades no mercado brasileiro. Em 2013, foram 85%. “Ainda há gargalos a superar em nossos fornecedores: melhoria do planejamento e gestão para grandes obras; integração das cadeias de suprimento; recuperação da engenharia industrial e de produto; aumento de produtividade; automação da produção (…) mas a curva de aprendizado está sendo percorrida”, afirmou a empresa, por e-mail. Para os especialistas, a situação tende a melhorar. “Operacionalmente e na alta gestão, haverá problemas com os rescaldos das investigações de corrupção, mas dá para ser otimista olhando os números“, afirma Barreto, do Insper. “Mesmo com todos os revezes, a Petrobras não deu prejuízo. À medida que a produção do pré-sal aparecer, o mercado vai se acalmar.” Ele não é o único a ter essa opinião. “O que estava ruim é o antes, com problemas de gestão, custos lá em cima e as denúncias de corrupção “, diz Furtado, da Unicamp. “Haverá uma depuração e, se olhar para a frente, os números são astronômicos, com praticamente a duplicação do que está aí.”

Para Prata, porém, é difícil acreditar nas previsões da empresa. Segundo ele, a Petrobras foi usada como cabo eleitoral, ao anunciar descobertas e investimentos bilionários, pouco antes da campanha de 2010, “o que ajudou a eleger uma ilustre desconhecida”. Também tem sido usada como instrumento de governo para controlar a inflação, subsidiando com seu caixa o preço do combustível, por anos. “Essa intervenção direta para segurar a inflação danificou mais o caixa da Petrobras do que qualquer esquema de corrupção “, diz Sergio Lazzarini, diretor dos programas de mestrado do Insper. Prata ressalta que a Abimaq é apartidária e busca apenas soluções econômicas que deem previsibilidade a quem tem um fluxo industrial a ser planejado. “A Petrobras existe há 60 anos. As indústrias brasileiras são centenárias. A Abimaq tem 77 anos. São instituições estáveis”, diz ele. “A única coisa que não é estável no processo são os políticos que passam pelos cargos das estatais. Eles passam, vão embora e às vezes deixam marcas terríveis para nós. Difíceis de consertar décadas depois.”